3.6.08

Tia Rosa

Dela só lembro dos cabelos algo revoltos e do lenço amarrado no pescoço, de lado. Eram os anos 70 e ela usava saias rodadas.

Um dia bateu pino, pulou da janela do sobradinho e foi estatelar-se no quintal; quebrou a cabeça e a alegria da vovó. Embirutou de vez.

_ Crianças, olha o barulho, a Rosa está descansando.

O silêncio da casa durou pouco. Tia Rosa arranjou uma arma - uma moça bonita, de família, arranjou onde um revólver, caramba? -, no quarto deu um tiro na testa, foi pro hospital mas não deu jeito: nunca mais vovó seria feliz até os ossos, os ombros do vovô curvaram-se para sempre e Rosa Maria era um nome que não se dizia mais.

Partiu nova, aos trinta e poucos, mas ninguém nunca disse que tinha virado estrela. Na verdade, a nós, miúdos, ninguém disse nada. Ficou assim, uma lembrança etérea e delicada de tia com nome de flor. Até hoje, quando faço arte, com um sorrisinho maroto me pego pensando: tia Rosa também era lelé.

5 comentários:

GUGA ALAYON disse...

Vivam as rosas menos 'lúcidas'!
bj

many disse...

Acho que todos têm uma tia lelé..

Lord Broken Pottery disse...

A loucura pode ser entendida como um mergulho radical no imaginário, sendo considerado louco aquele que adere ao imaginário sem mediação. Se olharmos dessa forma dói menos.
Beijo

Renata disse...

Carol de Deus, isso desenvolvido dá um livro e tanto. Adorei!

Anônimo disse...

Mas era Rosa Helena, a moça.